Diogo Souza

Escritor e jornalista

Talvez Amanhã | Crônica | Cara do Espelho



Quarenta e cinco metros o separam do chão, do gran finale. Há quanto tempo estava às voltas com aquela hipótese? Tão tenebrosa que, só de ser (in)conscientemente cogitada, levava-o para debaixo do chuveiro, da água fria e na tentativa insana de afogar as angústias, ou apenas sufocá-las por alguns momentos.

A água que corria o corpo, inundava os olhos secos e desmanchava os resquícios da dignidade que forjava para si. Água que anestesiava, causava tonturas, pontadas. Os ombros curvados, olhos perdidos, cabeça pesada, e a mente insuportavelmente pesada. Peso demais.

Saía do banho e, ainda molhado e despido de emoções, jogava-se na cama, a maldita e imensa cama vazia. Sentia vazio. Sentia-se vazio. Sentia frio. Sentia-se frio. Sentia-se meio morto, não meio vivo, apenas meio morto. Não sentia mais nada. Morria por dentro.

Nos últimos 68 dias, ao entardecer, subira ao terraço do prédio público onde trabalhava e ali encarava o pôr do sol. Não achava o crepúsculo bonito, achava-o triste, somente. Fim do expediente, fim do dia, fim da luz, fim da vida.

O pôr do sol é uma morte que se repete diariamente, o Sol morre diante de nós durante 365 dias ao ano, às vezes 366. Porém, não nos damos conta de sua partida, não nos importamos. O Sol morre ali: sozinho, aos poucos, esquecido.

Quarenta e cinco metros o separam de seu próprio pôr do sol. Frio, sem luz, sozinho, vazio, lento. Já são 68 dias de indecisão. Olha o chão, espera o Sol morrer mais uma vez.

Talvez amanhã finalmente se decidisse. Mas, (in)conscientemente, talvez ainda se agarrasse à certeza de que o Sol renasce todos os dias. Talvez um dia renasça também. Talvez um dia se jogue.

Talvez amanhã.

Diogo Souza,
18 de março de 2014 23h:55min